2 poemas de LORENA GRISI

CARTOGRAFIA

No canto da tela com o mapa,
há uma escala de grandeza que diz
1:300.

Cada trezentos metros do meu caminho estão reduzidos a um centímetro,
nessa escala de grandeza cartográfica.

Acho engraçado dizer escala de grandeza.
Eu poderia falar: Numa escala de grandeza, eu parti o pão e te deixei o pedaço maior.

Se diz também está para, na leitura das escalas: “um está para trezentos”.
Esses trezentos metros foram reduzidos
para que, no caminho,
eu não desvie o olhar,
para que eu esteja para,
ou o objetivo de chegar
não se cumpre.

Na física quântica,
o lugar existe enquanto eu olho para ele.
Ele está para mim,
reduzido à escala de minha retina,
que é de 1:10 metros de visão frontal e periférica.
Para mais que isso, o mapa
e a grandeza de encerrar o que não existe,
porque não estou olhando.

O TRABALHO DAS ÓRFÃS

do que sobra das barricadas
colar com ouro as rachaduras
para o tempo que outra vez chega
colar com ouro as rachaduras
no fundo dos vasos planos de revolta
farelos de espinhos
o futuro era mentira
mas era inteligível
o acaso permitiu a existência desta terra
toda noite um homem sepultado
à noite
e uma órfã sem filhos
a espoliar cavernas

Lorena Grisi nasceu em Salvador. Publicou o livro de poemas Exercícios físicos (Editora Paralelo13S). Tem textos publicados na coletânea Hilstianas vol. 1 (Editora Patuá/Instituto Hilda Hilst, 2019), no Mapa Brava e nas revistas Felisberta e Diversos Afins, dentre outras. Cursou o CLIPE de Poesia da Casa das Rosas (SP) e participou do projeto Escritas em Trânsito, da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Contato: @instagrisi

2 poemas de WÉLCIO DE TOLEDO

NOVAMENTE A ESTRADA

marco o tempo
pela distância entre os postes que se despedem de mim na estrada
não há por que ter pressa
abasteço-me de ausências
são muitos os buracos crescendo em meu caminho
entradas e saídas testam minha atenção
meus reflexos
reflexões vagas
de quem vaga
sem controle da direção
argonauta do asfalto
singrando a esmo
nos centros
nas margens
cidade-saudade
seres e máquinas
de todos
os tipos e marcas
me ultrapassam
placas
letreiros
out
doors
sinalizam
o quanto estou ultrapassado
uma recaída no retrovisor
agora não há mais retorno
o jeito é seguir na contramão

ALGA

algo
de
nós
nos
amarra
ao mar
como
amar
algo
que
se
sobressai
das
raias
do
chão
nos
faz
flutuar
como
se
algo
houvesse
entre
nós
e
o mar

Wélcio de Toledo é poeta, professor, pesquisador, doutor em Literatura pela UnB. Possui artigos, textos e poemas em diversas antologias, coletâneas e revistas literárias. Integra o Coletivo Anarcopoético que organiza ocupações anarcopoéticas em espaços abertos de Brasília, com música, poesia, exposições ao ar livre, performances e o que mais surgir de arte. Publicou quatro livros de poemas e um de contos. Em 2023 publica mais dois livros, um acadêmico e outro de poemas.