2 poemas de RUBERVAM DU NASCIMENTO

 
Provoco noite a errar caminho de volta do exílio da voz
você nunca foi deportado para um país que não existia mais
Acho graça nas pétalas transformadas em buquê de lama
nas ovas em ilusão de bolas de gude na trilha de crustáceos
na dobra da blusa a esconder abelha do beijo mortal da flor
Esmago odor do charuto do mangue a embriagar meu chão
uso cheiro do capim do braço para esfregar frio do nariz
Convenço mimosa a fechar-se ao toque do insulto do dedo
arranco pela raiz erva daninha a sugar água da minha areia
Transporto correr de hora no fundo de palha do meu patuá
colho por onde passo cacos da manhã pisada pelo escuro
Última caravela partiu de dentro de mim carregada de fogo
para irrigar osso no campo de plantio do dia do meu amado
e do sol
 
 
Não adianta cativo da desforra da borduna
fazer pose de senhor do céu do mar da terra
negar à zoada do terreiro naco de seu miolo
declarar-se fundador de escola de mágico
Não adianta querer substituir azedo da fome
no ponto de engolir fatia de ponte de melão
por semente de nuvem caída do tamarisco
Não adianta fingir transportar seu fantasma
exigir pressa à alma a vagar pelo oceano seco
em procissão de exílio ao horizonte de lona
Seu espírito será vomitado por não se permitir
ser derramado em lugar da voz da manhã
da garganta do pântano do meu amado
e do sol
 
 
 
Rubervam Du Nascimento é de São Luís do Maranhão, nordeste do Brasil. Viveu 46 anos em Teresina, capital do Estado do Piauí. Reside atualmente em Santo André, SP. Integrou a Coordenadoria de literatura da revista “Pulsar”, editada no Piauí, na década de 80. Autor dos livros de poemas:  A Profissão dos Peixes; Marco Lusbel Desce ao Inferno; Às Vezes, Criança – Um Quase-Retrato de Uma Infância Roubada, com fotografias de Sérgio Carvalho; Os Cavalos de Dom RuffatoEspólioDandaras. Os poemas aqui publicados pertencem à obra De Dentro de Mim Partiu a Última Caravela.

2 poemas de AMANDA VITAL

AGULHA

meu corpo quente ainda dói da porrada
tenho hematomas por toda a epiderme
respiro balões de oxigênio segurados à
força por aqueles que me querem bem
como fazem com os bichos prematuros
me embalam roupões azuis esverdeados
os lençóis de cama trocados diariamente
a canção da paciente por trás da cortina
o cheiro das pomadas das luvas do éter
mas amanhã o dia se abre às seis horas
tomo café da manhã insosso sem queijo
e aviso que estou disponível para visitas

JOÃO DE BARRO

leva o barro na boca, meu bem, feito um pássaro:
constrói uma casa para dois no topo de uma árvore
centenária, zerada de outros ninhos, numa cidade
relativamente perto da capital. faz um puxadinho
para os livros e discos que compraremos juntos e
os que vamos levar na mudança, o jogo americano,
o vaso de gerânios, o que existe entre você e eu.
leva pequenos galhinhos para adormecermos juntos
numa esteira no chão perto da entrada, porque os
nossos corpos são demasiado quentes para ficarem
tão dentro, porque as nossas asas estão agitadas
diante de todas as possibilidades que conhecemos.
leva o barro no bico, meu bem, e o amor sob a asa.

Amanda Vital é assistente editorial da editora Patuá e co-editora da revista Mallarmargens. Tem bacharelado em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais e é mestra em Edição de Texto pela Universidade Nova de Lisboa, trabalhando com a obra poética de Augusto dos Anjos. Autora dos livros Passagem (poemas, Patuá, 2018) e Costura (poemas, Patuá, 2023). Participa de antologias de literatura brasileira contemporânea e tem poemas traduzidos para inglês, espanhol e catalão, publicados em revistas físicas e impressas.