NUNO RAU
Copacabana não tem mais nenhuma livraria. Há trinta anos eram quatro ou cinco, sem contar um ou dois sebos. O bairro de classe média mais adensado do Brasil não tem nenhuma livraria. Cento e cinquenta mil habitantes em cerca de oito quilômetros quadrados, o que, descontando a área de ruas e praças, atinge uma média de quarenta moradores por cada metro quadrado; e nenhuma livraria. Cem quarteirões, setenta e oito ruas, cinco avenidas, seis travessas, três ladeiras e nenhuma livraria. Um IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – de 0,956 e nenhuma livraria. É necessário lembrar que acima de 0,900 o IDH é considerado muito alto. Numa de suas principais avenidas, a Princesa Isabel, circulam em torno de cento e setenta mil carros por dia, mas o bairro não tem nenhuma livraria. Quatro mil pessoas ganham mais de vinte salários-mínimos, mas não há livrarias. Nove mil pessoas ganham entre dez e vinte salários-mínimos, vinte mil ganham entre cinco e dez, cem mil pessoas ganham entre um e cinco salários-mínimos, mas nenhuma livraria. Há em torno de oitenta e duas mil residências, em sua maioria apartamentos que possuem, em média, oitenta e cinco metros quadrados, e nenhuma livraria. Apesar das mudanças na base tecnológica, ainda resistem noventa e dois mil telefones fixos em paralelo aos cento e oitenta mil telefones celulares, mas quase nenhum deles deve ter falado em Drummond ou Bandeira ou Clarice ou Hilda nos últimos meses, porque não há nenhuma livraria no bairro. O consumo de energia elétrica ultrapassa a casa dos novecentos e cinquenta mil quilowatts-hora por mês, mas nenhum deles ilumina uma livraria. Duzentos e quarenta bares, cento e quarenta restaurantes. Nenhuma livraria. Sessenta e um por cento das residências possuem um automóvel, mas não restou nenhuma livraria. Mais de cem hotéis se espalham por suas ruas; nenhuma livraria. Dois mil e novecentos estabelecimentos comerciais, nenhum deles hoje é uma livraria. Mil e cem pequenas fábricas e nenhuma livraria. Seis igrejas católicas, duas igrejas messiânicas, duas igrejas presbiterianas, duas igrejas batistas, três sinagogas e nenhuma livraria. Quatorze escolas municipais, onze escolas estaduais e vinte e cinco escolas particulares pontuam ruas e praças, mas nenhuma livraria. Pelo bairro circulam sete milhões e meio de passageiros por mês, se não contarmos os que vão nos táxis e vans, mas não sobrou nenhuma livraria. O valor médio do metro quadrado de um apartamento ultrapassa os dez mil reais em Copacabana, cerca de cinco mil dólares estadunidenses, mas não existe sequer uma livraria. Se cada habitante do bairro comprasse um livro por ano, seriam vendidos, em média, doze mil livros por mês no bairro, e o faturamento mensal de uma livraria seria algo em torno de setecentos mil reais. Bastava que cada morador comprasse apenas um livro por ano, mas não. Por isso não existe nenhuma livraria. Nem uma.
Nuno Rau é poeta, escritor, arquiteto, professor de história da arte. Publicou o livro Mecânica Aplicada (2017), poemas, finalista do 60º Prêmio Jabuti e do 3º Prêmio Rio de Literatura. É coeditor da revista mallarmargens.com e ministra oficinas de poesia no Instituto Estação das Letras – IEL.