ADIÓS, MAFALDA

WANDERSON LIMA

Qualquer mitologia é um processo em construção. Os mitos mudam de significado e, até mesmo, podem ser substituídos. Cada época inventa ou recria seus mitos segundo suas necessidades.

E, como bem sabiam Barthes, Campbell, Eco e Eliade, os mitos não são heurísticas próprias apenas dos grandes sistemas religiosos. A mitologia pop das democracias liberais é pródiga de figuras e narrativas que sintetizam dilemas éticos, morais e políticos.

Como mitologias “profanas”, elas não sancionam nem fundam regimes de verdade, porém indicam os caminhos e os dilemas da consciência coletiva. São sintomas e, em alguns contextos, formas de intervenção, de que Mafalda, a menininha comunista, amada por metade da América Latina e odiada pela outra, é exemplo. Os Estados Unidos criaram mitos pops triunfalistas, como Mickey Mouse e a imensa galeria de super-heróis. São como a face inconsciente do arrogante papel de legislador do mundo que os EUA atribuem a si. Os dois mitos pops mais bem-sucedidos da América Latina são Mafalda e Chapulín Colorado, dois anti-heróis nada épicos, que lutam por justiça sem se sentirem, como Superman e sua trupe americana, portadores da justiça e juízes do mundo. Preciso explicar por que os dois são a síntese dos nossos dilemas e do nosso conflito de autoimagem?

Não é à toa que Mafalda oscila entre a utopia revolucionária e o pessimismo niilista. São os polos em que oscilamos em nossa jornada de sujeitos latino-americanos sem dinheiro no banco. Somos nós, ou ao menos uma parte muito significativa dos latino-americanos. Quino foi um poderoso mitólogo, e sua genialidade sintetizou nossos dramas na forma de humor e de indignação, de poesia e de revolta. Ave, Quino!

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