2 poemas de ANTONIO AÍLTON

ELEGIA
A Harold Bloom

Dez por cento
de inveja e mágoa
(bem abaixo do mercado
de formas afetivas)
Dez por cento
de rancor e vingança
(bem abaixo do mercado da superação)
Dez por cento de reciprocidade
da disputa
por formas linguageiras, territórios
(pouco abaixo do mercado de coca
e do tráfico de animais)
Dez por cento de roubo de água
da vida líquida do poço alheio
Dez por cento
daquela reescritura de ferro-velho
(bem abaixo
do ainda usual mercado de ready-made)
Dez por cento
de artefatos armados
(bem abaixo das pragmáticas
dos eufemismos políticos)
Dez por cento de fatos
eventualmente transfigurados
pelo pathos
Dez por cento de crença real
nas formas afetivas do gênero humano
Dez por cento de memória esvaída
e rumorejo de sentimentos
que perfazem no íntimo
o litígio do tempo
Todo o resto, essa pele morta
varrida para baixo
do silêncio
a ser disputada pelos vermes
enquanto se brinda, olho a olho
a soma dos produtos
eternos
que circulam entre os imortais

URNA FUNERÁRIA

os podres da história
estão à flor da terra

delicadeza
é plantar outro jarro
para milênios

guerreiro
menina
gatinho

toda flor que nasce
é suficiente

para re-
escrever
a memória
da beleza

ANTONIO AÍLTON é poeta e ensaísta participante do intenso meio cultural e literário do Maranhão, principalmente na cidade de São Luís. É também professor e pesquisador voltado para a crítica literária contemporânea. Livros mais recentes: A Camiseta de Atlas (EDUFMA/FAPEMA, 2003), MÉNAGE – Antologia Trilíngue de Poesia (Helvetia, 2020 – em parceria com o poeta Sebastião Ribeiro), CERZIR – Livro dos 50 (Penalux, 2019), MARTELO & FLOR: horizontes da forma e da experiência na poesia brasileira contemporânea (Tese, EDUFMA, 2018). Em suas atividades culturais, criou recentemente o site/portal SACADA LITERÁRIA, e é membro da Academia Ludovicense de Letras.
e-mail: ailtonpoiesis@gmail.com
Site: www.sacadaliteraria.com.br

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