RAIMUNDO SOARES
01
a estrada é longa, o abismo,
aves devoram o tempo,
deus está ali nos arbustos
sem sarça ardente
não espante os fantasmas,
grite e morda a paisagem,
as horas mais densas
não cabem nos olhos
e resta o mistério
deus morto na ribeira
rio, te espera o cadafalso
iluminado por estrelas.
§
02
escrever é alquimia
auscultar o corpo faminto
na noite cega
nas mãos que não sinto
e tombar exausto e perdido
no caminho sem volta
o poema como agouro sombrio
na alma que se mostra
oh, mestre do terreiro
devora essa encantaria
é o mar no sangue
no silêncio do dia.
§
03
ninguém verá a sombra tardia
sob mil janelas cegas
a flor que cresce sozinha
não espera
que a tarde chegue
e devore a sagrada eucaristia
tombe, oh noite,
essa lua de tantos mitos
é uma chaga aberta
memento mori
o tempo é uma ave cega
que me devora o corpo.
Raimundo Soares é poeta, natural de Itapecuru Mirim, interior do Maranhão, servidor público. Participou da coletânea Babaçu Lâmina (organizada pelo poeta Carvalho Júnior). Parte de sua produção poética está no blog Turista exilado, e também na Revista Germina.