ADHJAMBO

NATAN CAMPOS

Aos cento e dois anos de idade Adhjambo ainda azeitava os gonzos de seus quadris para abrir as portas de suas carnes e dar à luz do mundo mais um filho. Já eram tantos que os nomes tinham que se repetir e nunca era possível que estivessem todos perto dela. Muitos foram embora para nunca mais, por vontade própria ou levados pela de outros, mas outros muitos ficavam ali na terra que os viu nascer, esperando o dia em que deveriam voltar ao útero de Adhjambo.

De todos os filhos que viviam espalhados pelas várias aldeias e pelas grandes cidades, nenhum conseguiu convencer a mãe a deixar de morar debaixo do imenso baobá que podia ser visto a quilômetros de distância. À sombra daquela árvore era que ela tinha parido o primeiro rebento e era onde haveria de gerar o último, que de alguma forma ela sabia que deveria ser tirado de dentro de suas entranhas por outras portas, abertas a ferro, quando ela já não pudesse mais. Era também ali que enterrava cada um dos seus que não resistiam ao tempo. O imenso baobá protegeria suas almas.

Um dia Abeba, tataraneta de seis anos, sonhou por que a velha morava ali e foi sentar-se ao lado dela. Adhjambo regou sua cabecinha com algumas lágrimas e soube que podia morrer em paz outra vez. Depois de tantas vidas, mal se lembrava de quando tinha plantado aquele baobá de quase seis mil anos.

Natan Campos é o nome literário de Natanilson Pereira, autor maranhense de contos, cordéis, romances e sonetos. Participou de grupos literários como Curare e Carranca na década de noventa e atualmente dedica-se também à música. Tem publicado pela Penalux o livro de sonetos A Ilha Naufragada.

NIARA

NATAN CAMPOS

Depois de dez anos, a praga e a fome causada por homens sem fome deixaram a família de Montsho reduzida a ele próprio, dois filhos quase homens e a pequena Niara. Um dia Montsho e os dois filhos saíram para caçar a comida. Niara, que recebia certo silêncio por ter nascido para a morte da mãe, tinha a incumbência de preparar o fogo para quando chegassem. Mas daquela vez quis mostrar que era mais capaz que isso e os seguiu escondida, com o intuito de pegar a caça antes que eles o fizessem. O fogo ela acenderia com os olhos, como lhe havia ensinado a mãe em sonho e em segredo. Os homens não podiam saber daquelas mágicas de mulher.

No entanto, quando Daren, o filho mais velho, almejou a presa que se escondia atrás de uma touceira e foi buscá-la, sua alegria se transformou num grito de tristeza e dor.

Os três carregaram o corpo de Niara até as margens do Kouilou-Niari e lá o deixaram para que as águas a levassem em paz quando subissem.

Naquela noite, Montsho e seus filhos choravam e tinham fome porque não tiveram mais braços nem pernas para caçar depois do triste acontecimento. Mas quando já quase dormiam de tão fracos, ouviram batidas na porta. Faraji, o mais jovem, foi ver o que era. Niara, com naturalidade, pediu para que os irmãos a ajudassem com o animal que a custo arrastara até ali. Agradeceu os irmãos e nunca mais teve que acender o fogo com as mãos. Agora todos sabiam.

Natan Campos é o nome literário de Natanilson Pereira, autor maranhense de contos, cordéis, romances e sonetos. Participou de grupos literários como Curare e Carranca na década de noventa e atualmente dedica-se também à música. Autor do livro de sonetos A Ilha Naufragada.