UMA VERTENTE
Busco um espaço, uma vertente, uma pausa
em que os contatos não sejam a destruição
da paz, o sequestro da luz, o abandono da alegria.
Onde encontrar uma clareira de quietude
em que os abraços sejam evidências claras?
Quando escrevo sou um horizonte recortado,
uma página pobre de margens delimitadas,
uma duna que se dissipa na respiração do vento.
Mas o corpo consegue encontrar vãos e saídas
dos dias impossíveis e das noites desoladas.
As mãos confrontam o vazio, a boca prediz a água,
os olhos fazem a travessia da sombra amarga.
As palavras vivas revelam uma vertente
verdejante, aberta, luminosa, ao corpo exilado.
São palavras nuas que ardem que respiram
que se prostram deslumbradas a teus pés.
ESTE AMOR
Este amor de portas abertas para o deserto
é um reino sem rei, um porto sem água,
uma dor, um ardor sob as chamas da chaga.
Pobre amor sem amar que espalha o seu vazio
a cada gesto baldio, em cada palavra vaga.
Ao redor a noite se amiúda em secreta tristeza.
Não existem pontes. E as mãos desapontadas
não afagam um rosto, um corpo, nada.
Os horizontes são nus e nulas as madrugadas.
A vida dói, a alma se estilhaça, tudo passa.
Ninguém respira na brisa azul deste silêncio.
Onde amar? Onde o fulgor fulmina. Num olhar,
sorriso, afago, abraço, o mundo todo se ilumina:
a alegria dorme nas pedras e nas pétalas do dia.
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Sandro Fortes é nasceu em 1970, em São Luís (MA). Formado em Letras e em Jornalismo pela Universidade Federal do Maranhão, publicou em 2006, o seu primeiro livro de poemas, Nós somos as palavras.