ANTONIO AÍLTON
Intrepidez, determinação, competência, afeto: nada daquele espírito que assombra certos poetas (de cujo lado, confesso, talvez eu me encontre), a introversão, o pessimismo, o desajuste, o crepúsculo. Não. Carvalho Junior era o poeta que não se deixava abater, e cujo projeto era a alegria e a expansão.
Eis, talvez, por que sua estrela levou pouco tempo para brilhar intensamente, para tornar-se supernova. Em pouco mais de dez anos, entre 2010 e 2021, ele alcançou o reconhecimento inquestionável de seu estado e de certas instâncias por onde passeia a poesia nos quatro ventos do país. Algo que conquistou pelo seu próprio esforço, inclusive de viagens a encontros, como os da Casa Amarela, em São Paulo, chegando a levar outros amigos consigo, como numa viagem intempestiva em que nos arrastou, a mim e a mais três poetas, para o famoso recital paulista; fosse pelos contatos diários com autores do chão e dos ares brasileiros, ou através dos grupos e divulgações nas/das redes sociais, ou, ainda, dos projetos coletivos, culturais, educativos que promovia, com enorme calor humano e afetividade. E lendo o que podia, que pudesse ser considerado de qualidade ou de novidade. E escrevendo. E recitando… Nos recitais, nós não o parávamos. Em algum poema, ele tirava os sapatos e jogava para cima, e haja poesia! Carvalho Junior era o nosso homem-menino.
Quando o conheci, ele dava andamento ao projeto “Na Pele da Palavra”, em sua cidade, Caxias, no Maranhão, com a esposa, Joseneyde Ferreira, que hoje cuida de sua obra, e o poeta Salgado Maranhão, que contribuía, mesmo que à distância, além de outros poetas da cidade. Ele chegou a convidar muitos autores e autoras para homenagear, em noites regadas a criatividade e devaneio, na praça da Igreja Matriz ou num posto de gasolina. Foi através desse projeto que chegamos a promover um encontro para discutir a poesia contemporânea na cidade de Caxias, com presença de poetas das regiões Norte, Nordeste e Sudeste, em 2019. Utilizei duas palavras de que ele gostou muito para resumir aquele encontro: inquietude e semente. Inquietude e semente, repetia, o que era ele próprio, inquietude e semente.
Havia uma identificação, sempre houve, entre a poesia dele e a minha, para além da nossa amizade. Mandava-me fotos, sentado em algum bar, com um livro meu nas mãos. Não à toa, nessa relação de amigos e reconhecimentos mútuos, pude dizer algumas palavras em pelo menos três dos seus livros (e agora me surpreendo com isso, essa quantidade!), do seu suprassumo: a orelha de No alto da ladeira de pedra (2017), a de O homem-tijubina (2019) e um posfácio, também a seu pedido, para o seu esplêndido Xilogravura de pássaros (2021), que veio a ser publicado postumamente. Carvalho foi um daqueles travessos de interior (assim como eu), de colher goiabas, pitombas e mangas nas soltas e quintais, tomar banho de açude, grotas e rios, pescar, passarinhar (perdoem-nos!), mas era ele mesmo um passarinho. Depois, a vida numa cidade do interior, o conhecimento e as relações com as metrópoles; a família, o trabalho como educador. Tudo isso desembocou na sua poesia. Para ele, o maravilhamento, o canto, a diuturnidade e a inocência chã, o telúrico, os pais e avós, as filhas, em primeiro lugar. E daí deriva sua palavra contra as injustiças, os engodos, os revezes políticos.
Carvalho Junior era esse ser partícipe da imensa alegria de viver, e poder transformar essa vida em poesia, um amigo doado, um homem comum. Mas é também um grande poeta, que está em nosso coração e em nossa voz, no panteão dos nossos. Partir tão cedo e da forma como partiu nos dá aquela revolta íntima, porque as coisas, com um pouco mais de cuidado e providência pública, poderiam ter sido diferentes. Ficamos com aqueles goles na garganta, e o brilho de sua poesia. Vez em quando, converso com ele, quando, entre outras coisas, me diz algo como em seu poema Trinados, do Xilogravura: “Nada me quebra / o torno do assovio. // nada no mundo / me descriançaliza. // vivo o tempo todo / com meus pássaros”. É assim que voamos com ele, quando ele abre as asas.